“O Noivado do Sepulcro”
(Soares de Passos)
Balada
Já meia-noite com vagar soou;
Que paz tranquila; dos vaivéns da sorte
Só tem descanso quem ali baixou.
Que paz tranquila!... mas eis longe, ao longe
Funérea campa com fragor rangeu;
Branco fantasma semelhante a um monge,
D'entre os sepulcros a cabeça ergueu.
Ergueu-se, ergueu-se!... na amplidão celeste
Campeia a lua com sinistra luz;
O vento geme no feral cipreste,
Por entre as campas, arrastando o manto,
Com lentos passos caminhou além.
Chegando perto duma cruz alçada,
Que entre ciprestes alvejava ao fim,
Parou, sentou-se e com a voz magoada
Os ecos tristes acordou assim:
"Mulher formosa, que adorei na vida,
E que na tumba não cessei d'amar,
Por que atraiçoas, desleal, mentida,
O amor eterno que te ouvi jurar?
Amor! engano que na campa finda,
Que a morte despe da ilusão falaz:
Quem d'entre os vivos se lembrara ainda
Do pobre morto que na terra jaz?
Abandonado neste chão repousa
Há já três dias, e não vens aqui...
Ai, quão pesada me tem sido a lousa
Sobre este peito que bateu por ti!
A fronte exausta lhe pendeu na mão,
E entre soluços arrancou do seio
Fundo suspiro de cruel paixão.
"Gozes com outro d'infernal prazer;
"E o olvido cobrirá meus ossos
"Na fria terra sem vingança ter!"
Análise interpretativa:
O amor e a mulher amada, idealizados, acima de
todas as convenções sociais (─ e até mesmo, “espirituais”); ambientes
fúnebres, sombrios; e personagem pessimista. Todas esses temas descrevem resumidamente,
esse enredo sobre um amor que supera a morte e fez um casal de
esqueletos/fantasmas se unirem pelos laços da eternidade.
Na primeira estrofe, percebe-se a valorização da morte. O personagem descreve seu ambiente idealizado, a paz nos sepulcros. Na segunda estrofe, insere-se a fuga da realidade: o elemento fantástico, a presença do sobrenatural: o personagem surge como fantasma que se levanta de seu sepulcro.
Na terceira
estrofe, é descrita a aparência do fantasma. Sua luz sinistra ofusca o brilho
da lua (podendo ser comparado, também, á beleza idealizada da época, na
palidez, na aparência fúnebre).
Ainda na
terceira estrofe, o homem morto ao deparar-se com seu túmulo, questiona-se de
suas dores da vida. O romantismo faz questão de colocar a “noite”, isto é, o
obscuro, o irracional, como princípio de sua filosofia.
Na quarta e
quinta estrofes, o fantasma caminha pelo cemitério, onde encontra o túmulo de
sua amada. Na sexta, sétima e oitava estrofes, o discurso é substituído
pelos pensamentos do homem morto, que continua a amar sua “namorada”,
acreditando, porém, que ela não mais o ama. Sofre e revolta-se por pensar
que ela teria sido infiel.
O trigésimo
sétimo verso, da décima estrofe, segundo Gustavo Ramos, “a expressão “protestos
nossos” demonstra o espírito de revolta do romantismo, neste caso, lutar contra
as convenções sociais em nome de um amor que ultrapassa qualquer fronteira.
Fica, portanto, subentendido que o casal enfrentou, durante a vida,
dificuldades frente à sociedade, e o amante quer que sua amada honre o seu
juramento de fidelidade depois de tantas agruras.”
Nas demais
estrofes, a mulher (também em forma sombria, em ecos) confirma a promessa de
amor feita a ele. E é narrado o encontro entre os dois, onde o casal se
une em esplendorosa paixão, com exageradas declarações à luz do luar.
Na última
estrofe, o casal concretiza esse amor e os esqueletos de seus corpos são
encontrados em um sepulcro só, o que nos dá ideia da união eterna pós morte.
O "Mal do
Século" e "O Noivado do Sepulcro" na contemporaneidade
Apesar de a Segunda Geração Romântica ter ocorrido por volta do século XIX, ainda é possível observar as mais diversas formas de expressão com fortes características desse período.
Desde peças de
teatro, filmes, bandas de rock e até os estilos de vida e moda, por exemplo; remetem à
atração pelo sombrio e a obscuridade. Um grande exemplo, são os filmes do cineasta Tim
Burton, onde o diretor sempre apresenta aspectos “góticos”, fantasiosos (fuga
da realidade), excêntricos e sombrios.
O filme de animação
em stop motion, “A Noiva Cadáver” (‘Corpse Bride’),
de 2005 — apesar
de baseado num conto russo-judaico do século XIX (período do Romantismo) — apresenta
grande semelhança com o poema “O Noivado do Sepulcro”, onde ambos
abordam temas como amor inalcançável e a morte.
Além de seus
ambientes e aspectos sombrios, no longa é possível notar características como a
valorização da morte, por exemplo, onde a sociedade é representada em tons
cinzentos e azulados, e o mundo-dos-mortos é representado com cores vivas como
o verde, rosa e roxo.
O filme conta a história do jovem Victor, que está prestes a se casar, é arrastado para outro mundo por uma noiva-cadáver, que o deseja para si. Vale a pena conferir! *Atualmente, é possível encontrá-lo no catálogo da Netflix.